segunda-feira, 23 de março de 2015

O SONHO CORROMPIDO

ZERO HORA 23 de março de 2015 | N° 18110


EDITORIAL


 

Por sua condição de maior programa habitacional brasileiro nos últimos anos e responsável por cerca de um terço do total de construções de moradias no país em 2013, era previsível que o programa Minha Casa Minha Vida acabasse se prestando para todo tipo de distorção. O que surpreende, como demonstrou reportagem publicada ontem por este jornal, é a extensão das deformações que vão desde comércio irregular de unidades e má qualidade do material utilizado nas construções até influência de políticos e do tráfico de drogas na definição dos contemplados. São questões que precisam ser enfrentadas de imediato e com rigor para evitar um desgaste irreparável nesse programa social tão relevante. O sonho da casa própria não pode se transformar num pesadelo para quem já assegurou um teto ou aguarda por ele, nem pode ser boicotado pela negligência de quem tem o dever de zelar pelo uso responsável de verbas públicas.

Um aspecto particularmente preocupante é que, nas estatísticas oficiais, os problemas registrados significam um percentual mínimo. Mesmo em número reduzido, porém, o fato é que as distorções se acumulam. Começam nas crescentes interferências na definição dos contemplados, o que tende a frustrar quem aguarda a oportunidade de garantir um teto de forma impessoal, e se estendem aos problemas estruturais enfrentados por alguns novos proprietários, incluindo vazamentos e infiltrações. Não faltam, também, casos de burla à ética e à legislação, com potencial para causar danos que podem se tornar irreversíveis, prejudicando a todos.

O país, hoje diante de um caso emblemático de corrupção na maior de suas empresas públicas, não pode consentir que também programas sociais tão importantes sejam deturpados. A questão é que, onde há dinheiro público envolvido e faltam controles, surge sempre margem para desvios. É o que ocorre com frequência com as verbas de Previdência Social, com as destinadas à merenda escolar e ao Bolsa Família, entre muitas outras, o que não pode ser admitido.

O poder público não pode tolerar que programas relevantes como o Minha Casa Minha Vida, bancados por todos os brasileiros, sejam desvirtuados nos seus propósitos. Os organismos de fiscalização precisam mostrar que estão mais vigilantes.

domingo, 22 de março de 2015

UMA INVESTIGAÇÃO DE DUAS REDAÇÕES



ZERO HORA 22 de março de 2015 | N° 18109


CARTA DA EDITORA | Marta Gleich



Por trás da reportagem especial deste domingo, Minha Casa Minha Fraude, há bastidores que gostaria de compartilhar com nossos leitores.


Desde 2012, criamos em Zero Hora um Grupo de Investigação. Formado por repórteres e editores que se dedicam de forma especial a ser, como os americanos denominam, “watchdogs”, ou cães de guarda da sociedade, esse time pensa pautas, planeja a longo prazo e vai a campo investigar, em reportagens que algumas vezes significam investimentos de apuração e edição de até um ano.

Formado hoje pelos jornalistas Adriana Irion, Carlos Rollsing, Eduardo Torres (Diário Gaúcho), Humberto Trezzi, José Luis Costa, Maurício Tonetto e Rodrigo Lopes, o grupo de repórteres decidiu que o principal programa habitacional do governo federal, o Minha Casa Minha Vida, merecia uma investigação especial. O projeto tem muitos méritos, entre eles o de concretizar o sonho da casa própria a quem nunca teve a chance de dispor de um teto. Em 2013, foi responsável por um terço (32,1%) do total das construções de moradias do Brasil. O problema é que o programa governamental tem sido alvo de fraudes variadas, vendas irregulares e construções de má qualidade. Mais: em algumas cidades, o tráfico de drogas acossa a comunidade, alvo frequente de operações policiais.

A diferença nesta investigação é que ela foi produzida por repórteres investigativos de dois jornais do Grupo RBS: Humberto Trezzi e o fotógrafo Fernando Gomes, de ZH, e Ânderson Silva e a fotógrafa Betina Humeres, do Diário Catarinense – já que as fraudes não se restringem ao Rio Grande do Sul. Durante 40 dias, os jornalistas se debruçaram sobre documentos oficiais e bateram de porta em porta de condomínios construídos para o Minha Casa Minha Vida. Depararam com mau acabamento das construções (infiltrações, inundações, rachaduras) em prédios de Canoas, Porto Alegre, Sapucaia do Sul, Cachoeirinha, Novo Hamburgo e São Leopoldo. Constataram que em pelo menos oito cidades gaúchas de porte médio proliferam denúncias de comércio ou aluguel irregular de imóveis do programa governamental. Em Santa Catarina, aos problemas de infraestrutura e invasão, somam-se tráfico de drogas, prostituição e ameaça de morte em Blumenau e Palhoça. Cada um dos jornais publica neste domingo o mesmo tema, mas cada um com o enfoque adequado a seu público e sua zona geográfica. Essa soma de esforços traz ao leitor um conteúdo mais completo e mais aprofundado.

sábado, 21 de março de 2015

PROGRAMA SOCIAL TEM COMÉRCIO E ALUGUEL IRREGULARES

ZERO HORA 21/03/2015 | 08h07

31% dos imóveis do Minha Casa Minha Vida estão irregulares em cidade do noroeste gaúcho. Reportagem constatou diversos problemas com o programa durante 40 dias de investigações

por Ânderson Silva e Humberto Trezzi



Secretária Municipal de Habitação de Cruz Alta, Elisabeth Linck, tenta retomar as habitações ocupadas por pessoas não autorizadas Foto: Fernando Gomes / Agencia RBS

Está equivocado quem pensa que irregularidades no programa Minha Casa Minha Vida só ocorrem nas grandes cidades.

A reportagem constatou que em pelo menos oito cidades gaúchas de porte médio proliferam denúncias de comércio ou aluguel irregular de imóveis do programa governamental.

O pior caso encontrado acontece em Cruz Alta, no noroeste gaúcho. De 265 residências do programa construídas no loteamento Vida Nova II, pelo menos 82 não estão mais com os mutuários originais – foram repassadas para outras pessoas, sem autorização. Ou seja, um em cada três imóveis está em situação irregular. Com relação a 52 moradias, já foi formalizada denúncia para investigação por parte do Ministério Público Federal (MPF) e pela Caixa Econômica Federal. A prefeitura tem um dossiê a respeito das outras 30 casas. As denúncias foram feitas em junho de 2013 e maio de 2014.

– Chegamos a receber de 20 a 30 pessoas com reclamações na secretaria. Residências acabaram invadidas, inclusive servindo como abrigo de criminosos – afirma a secretária municipal de Habitação e Interesse Social de Cruz Alta, Elisabeth Linke.

Elizabeth diz que a Caixa ainda não se manifestou sobre o assunto. Ela aguarda avaliação do banco, uma reintegração de posse que viabilize repasse de imóveis invadidos a outras famílias.

– Temos muito interesse que o assunto seja resolvido, já que o município foi o doador da área onde se encontra o loteamento – explica.

Em fevereiro, ZH esteve em Cruz Alta e comprovou a facilidade com que casas são vendidas, alugadas e invadidas. Sem se identificar, os repórteres passearam pela Rua Maria de Lourdes Rousselet, uma das principais do loteamento Vida Nova II, verificando ofertas de residências para comprar. Na casa de número 93 daquela via, o carpinteiro Antônio Carneiro dos Santos admite que vende o imóvel por R$ 2 mil. Questionado por que o preço está baixo e se existem papéis legalizando o negócio, Carneiro é sincero.

– Olha, se tivesse papel eu cobrava R$ 15 mil. Na realidade, a casa não é minha, estou ocupando ela. O antigo morador era um mendigo, que vivia na rua. Entrei aqui com a família e vou ficando. Quero me mudar, em busca de emprego, e por isso vendo tudo por R$ 2 mil, incluindo móveis. Financiamento não tenho – admite.

A prefeitura de Cruz Alta informa que tramita contra Carneiro uma ação judicial de despejo, porque ele invadiu a casa de um mutuário, Jorge da Rosa Santos.

Duas ruas lomba acima, na Rua Victório Della Mea, dona de um pequeno armazém, Jaque admite que o marido, conhecido como Nico, medeia venda de casas no loteamento. Nico é o apelido de Osmar Simões Pires.

– Quando sabe de alguém interessado, ele ajuda a vender. Tem casa por R$ 3 mil, R$ 4 mil, R$ 5 mil. Aí tu faz um contrato de gaveta e fica pagando a prestação, que é baixa, em torno de R$ 40 mensais. Aquela casa ali em frente foi o Nico que vendeu – aponta.


Na mesma rua, em outra parte do loteamento, a reportagem encontra a moradora Dejanira Fátima da Cunha Ferreira entrando na casa 51, que parece abandonada. Ela admite que não é a dona e que ocupou a residência quando a mutuária original se mudou para Vacaria. O imóvel está depredado, repleto de detritos e sem parte do forro, mas Dejanira diz que arruma o local para colocar uma irmã ali.

– Tentei me legalizar na Caixa Federal, mas ninguém me ajudou. Aí vou ficando. Melhor que deixar drogados ocuparem a casa – justifica ela.

A prefeitura informa que Dejanira foi denunciada à Caixa em 2013 por invasão de três residências do Minha Casa Minha Vida, nas quais colocou familiares.

O MPF abriu inquérito para apurar as invasões, aluguéis e vendas em Cruz Alta.

CONTRAPONTOS

O que diz Antônio Carneiro dos Santos:
Não tenho documento do imóvel, entrei aqui porque o antigo morador saiu. Até por isso, cobro apenas R$ 2 mil e quem comprar leva meus móveis também.

O que diz Dejanira Fátima da Cunha Ferreira:
A casa vivia ocupada por drogados. Aí, na saída deles, botei minha irmã para morar e tô consertando. Tentei regularizar a situação na Secretaria de Habitação e na Caixa, mas não consegui.

O que diz Osmar Simões Pires, o Nico:
Não vendo casas, não sei do que tu tá falando. Eu lido com carreira, corrida de cavalo.

MINHA CASA, MINHA VIDA À VENDA...

ZERO HORA 21/03/2015 | 08h06

Beneficiados fazem venda ilegal de apartamentos do Minha Casa Minha Vida. Reportagem constatou problemas com o programa durante 40 dias de investigações

por Ânderson Silva e Humberto Trezzi




Condomínio Planalto Canoense, no Bairro Olaria, em Canoas, conta com apartamentos à venda Foto: Fernando Gomes / Agencia RBS

É fácil comprovar o fosso entre a intenção governamental e a prática, no programa Minha Casa Minha Vida. Inaugurado em 2011, o condomínio Planalto Canoense, em Canoas, virou campo fértil para irregularidades. Basta perguntar para moradores quem tem imóvel para vender, como fez a reportagem na última semana de janeiro.

Um grupo de habitantes do condomínio, reunido à sombra de uma árvore, descreveu de imediato quatro apartamentos de dois dormitórios que estão à venda, mesmo sem estarem quitados. Dois no Bloco J, um no Bloco K, um no Bloco I. A equipe de reportagem encontrou, em uma janela do bloco B, cartazes feitos à mão, que anunciam: “Vende-se, tratar fone...”.

O problema é que esses apartamentos são financiados pela faixa I do programa Minha Casa Minha Vida. É a mais baixa, até R$ 1,6 mil de renda familiar. Por isso, o governo proíbe que os imóveis sejam vendidos antes da quitação do financiamento, uma maneira de garantir que o programa alcance sua finalidade: atender pessoas de baixa renda, que jamais conseguiriam, de outra forma, ter casa própria. No entanto, não é difícil encontrar gente disposta a burlar as regras.

A reportagem bateu na porta do apartamento 233 do bloco I do Planalto Canoense e fez uma pergunta simples:

– Está à venda?

– Sim – respondeu a dona de casa Elisandra Soares. – Basta assumir as prestações, de R$ 37 mensais. Faltam quatro anos para pagar, ainda, antes de poder quitar o financiamento da Caixa Econômica Federal – avisa ela.

A prática é ilegal: a Caixa só autoriza venda de imóveis quitados, nessa faixa do programa.

– Mas fica em nome de quem? É preciso um contrato de gaveta, então? – insiste o repórter.

Elisandra confirma:

– Sim, você nos passa um dinheiro. Depois recebe, todo mês, uma prestação em nosso nome, para saldar.

Ela não soube dizer quanto seria o valor desejado pela venda, mas aconselhou que falássemos com seu marido, Cristiano Ferreira. Metalúrgico, ele atende ao telefone, sem saber que falava com repórteres. Perguntamos sobre o apartamento à venda e quanto deseja:

– Uns R$ 60 mil... e que assumam as prestações que faltam – responde Cristiano.

– O apartamento vai ter de continuar no nosso nome. Só posso passar pro nome de vocês depois de 10 anos. Fazemos um contrato de gaveta. Dependendo da negociação, dá para baixar o preço. Já tenho para onde ir...

Imobiliárias trabalham com imóveis não quitados

Questionado se não daria problema vender imóvel do Minha Casa Minha Vida, ele diz:

– Olha, meu, tem gente vendendo... Até o ex-síndico vendeu.

O diretor de Habitação da Caixa, Teotônio Rezende, tem dito em entrevistas que a comercialização do imóvel do programa sem a respectiva quitação é nula e não tem valor legal. Quem vende fica obrigado a restituir integralmente os subsídios recebidos e não participará de mais nenhum programa social com recursos federais. Já quem adquire irregularmente perderá o imóvel. Por que isso? Para priorizar quem necessita de moradia, não quem usa o imóvel para lucrar.

Localizado na Rua Zulmiro Gomes da Silva, número 100, bairro Olaria, o Planalto Canoense é composto por 12 prédios de cinco pavimentos. Eles têm 240 apartamentos financiados pelo Minha Casa Minha Vida – mas só 92 pagam condomínio. É que problemas construtivos, invasões e venda ilegal dos imóveis resultam em alto índice de inadimplência, tanto com as prestações do financiamento quanto com a administradora dos imóveis. A reportagem comprovou que também imobiliárias trabalham com imóveis não quitados do Minha Casa Minha Vida. A Conter Imóveis, de Canoas, oferecia no final de janeiro um apartamento de dois dormitórios no Planalto Canoense, por R$ 127,7 mil, mais de 10 vezes o que a Caixa costuma cobrar do mutuário. Contatada, a corretora Camila confirmou a oferta. Questionada se não há impedimento à venda de imóvel não-quitado nessa faixa do Minha Casa Minha Vida, ela sugeriu um truque ao comprador:

– Se não tiver quitado o imóvel, o dono vai dar quitação. Vamos supor que esteja financiado, essa pessoa, com o dinheiro que vai entrar no negócio, ela quita e vende. E você assume o financiamento.

A Caixa avisa que, para que não fique caracterizada irregularidade, antes de anunciar o imóvel à venda, o beneficiário deverá proceder a quitação do financiamento. Não foi o que ocorreu no caso da imobiliária de Canoas.

– Caso oferte o imóvel à venda ou para aluguel, antes da quitação da dívida, ou ainda se firmar “contrato de gaveta”, estará caracterizada a irregularidade. Neste caso, a Caixa pode pedir na Justiça a retomada do imóvel – alerta Rezende.


CONTRAPONTOS

O que diz Cristiano Ferreira, morador do condomínio Planalto Canoense:
Mas até o síndico vendeu...Eu sei que é proibido vender, mas ainda não vendi. Então não cometi o crime.

O que diz Francisco Conter, administrador da Conter Imóveis:
Sua informação é nova para nós, eu desconhecia que não pode anunciar imóvel do Minha Casa (faixa 1) não quitado. O imóvel já não deve mais aparecer em divulgação. Estamos verificando se foi anunciado em algum outro veículo de divulgação para também fazer a retirada.

quarta-feira, 18 de março de 2015

FRAUDE NA COLETA DE LIXO NO RS

ZERO HORA 17/03/2015 | 20h03

Entenda como funcionava a fraude na coleta de lixo do RS, que envolve contratos de R$ 5 milhões. Seis empresários foram presos nesta terça-feira e servidores públicos devem ser investigados na próxima fase da ação

por Fernanda da Costa



Um dos locais onde foram cumpridos mandados Foto: Ministério Público / Divulgação


As fraudes nos sistemas de coleta de lixo do Rio Grande do Sul reveladas nesta terça-feira pelo Ministério Público, que envolvem contratos de R$ 5 milhões em 12 cidades, são como a ponta de um grande iceberg de desvios. Depois de prender seis empresários, a investigação agora tem novo foco: o suposto envolvimento de servidores públicos.

Iniciada em meados de 2014, após um empresário envolvido revelar o esquema ao Ministério Público de Contas, a operação, batizada de Conexion, está apenas em sua primeira fase. Conforme o órgão, a fraude envolve a formação de cartel por 25 empresas, que fraudaram licitações para superfaturar o serviço de coleta de lixo.

Nesta fase, o MP indicou o superfaturamento em contratos de pelo menos R$ 5 milhões, em 12 municípios gaúchos, entre eles Palmares do Sul, Tavares, Santo Antônio da Patrulha e Novo Hamburgo. Em uma das contratações emergenciais, o superfaturamento chegou a 100%. A investigação ressaltou que ainda há muitos documentos para serem analisados.

— O número de cidades com contratos superfaturados vai crescer muito. Vamos aprofundar as investigações e examinar outros contratos em que há fortíssimos indícios da ação desse cartel — informou o promotor Ricardo Herbstrith.

A primeira fase das investigações serviu para o cumprimento, nesta terça-feira, de sete mandados de prisão preventiva e 18 de busca e apreensão, em 12 cidades. Seis empresários foram presos na ação: dois em Tramandaí, um em Torres, um em Taquara, um em Porto Alegre e um em Arroio do Meio. O outro empresário, de Parobé, segue foragido. Os presos foram encaminhados para a Penitenciária Modulada de Osório, no Litoral Norte.

Entre os presos está o empresário que revelou o esquema. Eles devem responder pelos crimes de fraude a licitação, lavagem de dinheiro e formação de cartel. Os nomes dos detidos não foram revelados pelo MP, que deve divulgá-los apenas depois que eles forem denunciados. O órgão planeja encaminhar as denúncias à Justiça na quarta-feira da próxima semana.

Servidores públicos e donos de aterros serão investigados

A suspeita de envolvimento de servidores públicos e donos de aterros sanitários no esquema será investigada na próxima fase da operação, ainda sem previsão de término. Herbstrith não confirmou se políticos também serão investigados.

— Os agentes públicos participam desse tipo de esquema quando fecham os olhos para o superfaturamento, dificultam a entrada de empresas que não fazem parte do cartel ou apertam a fiscalização contra elas — explicou Herbstrith.

Nesta terça-feira, foram cumpridos mandados em Novo Hamburgo, Porto Alegre, Tramandaí, Igrejinha, Canela, Torres, Santo Antônio da Patrulha, Alvorada, Taquara, Carlos Barbosa, Parai e Arroio do Meio. A lista de cidades onde houve superfaturamento de contratos, no entanto, não foi divulgada pelo órgão.

Também foram apreendidos computadores, celulares, atas de reuniões, agendas, diversas documentações referentes a licitações já realizadas e a pregões em andamento, além de R$ 17 mil.

Além do depoimento de um dos empresários, o MP utilizou interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça para desvendar o esquema. Conforme o MP, entre as empresas suspeitas de participarem do cartel estão Mecanicapina e W.K. Borges, de Porto Alegre; Onze Construtora e Urbanizadora, Brisa Transportes e Trans Ambiental, de Tramandaí; Geral Transportes, de Canela; Biomina e Camaro, de Taquara; Komac Rental, de Torres; Eco Limp, de Santo Antônio da Patrulha; Biasotto & Cia, de Carlos Barbosa e Reciclagem Adeva, de Paraí.

Como funcionava o esquema

— Vinte e cinco empresas se associaram criminalmente com objetivo de fraudar licitações para superfaturar contratos e dividir o mercado entre elas.

— Para o êxito das ações, o grupo fundou, em 2009, a Associação Gaúcha das Empresas de Limpeza Urbana (Agelurb), sediada em Novo Hamburgo.

— No local, empresários realizavam reuniões mensais para determinar qual das empresas seria vencedora da próxima licitação ou alvo de contratação emergencial.

— Quando fraudava licitações, o cartel se articulava para que concorrentes não conseguissem atender os itens previstos no edital.

— O grupo criminoso também trabalhava para forçar a quebra de contratos de municípios com concorrentes fora do cartel.

— O mercado era dividido por regiões, em que cada empresa ficava responsável por um grupo de municípios próximos.

CONTRAPONTOS

Por meio de nota, o Grupo Mecanicapina (das empresas Mecanicapina e W. K. Borges) afirmou que "jamais pactuou com qualquer tipo de ilicitudes" e que "irá empreender todas as medidas cabíveis para que a verdade dos fatos prevaleça", colaborando com a investigação.

A secretária da Onze Construtora e Urbanizadora relatou que apenas os diretores poderiam falar sobre a operação, mas eles não estavam na empresa à tarde. A companhia não disponibilizou telefones ou e-mails para contato com os responsáveis.

Também não havia nenhum responsável pela Brisa Transportes no local à tarde. Zero Hora entrou em contato com a empresa por e-mail e ainda aguarda resposta. Na Geral Transportes e na Biasotto, ninguém atendeu as ligações da reportagem. O jornal entrou em contato com a Biasotto por meio do formulário de atendimento disponível no site da empresa, mas ainda não recebeu retorno.

A reportagem não conseguiu localizar contatos das empresas Trans Ambiental, Biomina, Camaro, Komac Rental, Eco Limp e Reciclagem Adeva na internet. Essas empresas também não possuem telefones registrados no site TeleListas.Net.

segunda-feira, 9 de março de 2015

GOLPISTAS NIGERIANOS USAM INTERNET PARA EXTORQUIR MULHERES APAIXONADAS

G1 FANTÁSTICO Edição do dia 08/03/2015

Golpistas nigerianos usam internet para extorquir mulheres apaixonadas. Brasileira achou que namorava publicitário e perdeu R$ 240 mil. Bandido nigeriano se passava por viúvo inglês na internet.






Uma viúva de meia-idade, sozinha e carente, decide procurar na internet um novo amor. Encontra um homem que parece o príncipe dos sonhos: atencioso, apaixonado e bem de vida. Só que ele está precisando com urgência de um dinheiro emprestado. Está sentindo cheiro de picaretagem nessa história?

“Eu tinha acabado um relacionamento há oito meses. Trabalho muito e estava sozinha. Falei assim: ‘Ah, pode ser que pela internet dê certo’”, diz uma mulher.

Assim começa a história de mais um coração solitário. Essa mulher é viúva, mãe de família. Os dias de juventude se foram e ela trabalha muito.

“Fui para um site de relacionamento, e lá ele apareceu e iniciou o contato”, conta a mulher.

Por e-mail e com fotos.

“Meu nome é Lucas, tenho 53 anos. Sou um viúvo com uma filha que está no colégio interno e mora longe de casa. Eu moro e trabalho no Reino Unido, em Bristol, precisamente. Trabalho numa agência de publicidade e logo, logo vou ter meu próprio negócio”, descreve o e-mail.

Ela conta um pouco da própria história, e a coisa vai ficando intensa.

“No início era uma vez por semana. Depois, todos os dias”, diz ela.

Sempre por mensagens, via computador ou telefone. Mais de uma vez ela pediu para que conversassem usando câmera.

“Aí ele falou: ‘o meu tempo está muito corrido. No momento eu não posso’”, lembra a vítima.

Um dia, o bonitão vem com uma supernotícia, o primeiro passo em direção à riqueza.

“Consegui um contrato para fazer um anúncio na TV de uma multinacional de telecomunicação, que vai ser na Nigéria. Estou tão feliz! Você está sempre nos meus pensamentos”, diz no e-mail.

“Passou-se uns dias e ele mandou uma foto: ‘olha, estou aqui no jardim do hotel, e amanhã já estou indo embora’”, conta a vítima.

É aí que a história começa a degringolar. Ele diz que o governo nigeriano baixou uma lei sobre impostos para estrangeiros. Se não pagar, vai preso.

“Me assustei um pouco, mas ele é muito convincente, muito envolvente, muito carinhoso, muito dedicado”, diz ela.

A mulher pega empréstimos. Passa a enviar dinheiro aos poucos. Mas, a cada remessa, surge um novo problema, que só pode ser resolvido com mais dinheiro.

“Ele manda uma foto pra mim dele preso”, diz a mulher.

A montagem na foto é tão tosca, que finalmente ela começa a desconfiar.

“Falei assim: ‘entrei num golpe’”, lamenta.

Golpe do namoro online é uma das variações de uma falcatrua antiga

Tarde demais. Ao longo do ano passado, ela já tinha mandado US$ 100 mil, o equivalente, na época, a R$ 240 mil.

A certeza mesmo só veio quando ela viu uma reportagem sobre esse mesmo golpe no Fantástico, três meses atrás.

“Eu falei: ‘eu sou mais uma dessa’”, diz a vítima.

Mas por que essa armação criminosa é tão bem-sucedida na internet? Por causa da fantasia, como explica o psiquiatra Cristiano Nabuco de Abreu especializado em dependência tecnológica: “Se você começa a manifestar um interesse por alguém na vida real, rapidamente ela vai confirmando ou desconfirmando as suas expectativas pessoais”, diz o psiquiatra do Hospital das Clínicas de SP.

Pela internet é mais fácil a pessoa acreditar em um relacionamento perfeito.

“Eu simplesmente vou passando por cima de todos os elementos que possam desconfirmar a minha fantasia”, explica o psicólogo.

O golpe do namoro online é uma das variações de uma falcatrua muito antiga. Os primeiros registros são do século XVI, quando os espertinhos usavam cartas para arrumar dinheiro.

No caso dessa mulher, o que muda agora é que, em uma atitude incomum, o golpista decidiu mostrar o rosto.

Orientada por um especialista, ela jogou uma isca.

“Se você aparecer pra mim, eu tenho US$ 10 mil aqui pra você”, disse a vítima.

E lá está o tal Lucas, que agora se chama Chuks.

“Minha querida... Você tá linda!”, diz Chuks no vídeo.

Como Chuks não sabe que ela está gravando o papo, abusa da criatividade para tentar tirar mais dinheiro da vítima. Diz que investiu todo o dinheiro dela em petróleo.

“O navio que usei para transportar o produto foi capturado por militantes. Envolve muito dinheiro, na casa dos milhões. Tenho que pagar aos poucos até poder voltar ao negócio”, conta o golpista.

Especialista em segurança digital rastreia endereço do computador

Mas por que ele se apresentava como um publicitário, inglês, branco? Chuks, então, responde que sempre que tentou falar a verdade na internet, as mulheres não quiseram papo.

“Por isso menti e inventei histórias, com uma foto falsa”, justifica.

Agora, diante da câmera, ele dá uma de galanteador.

“Você me ama de verdade. Não liga se eu sou branco ou negro. Você me quer”, garante o golpista.

“Sim”, responde a vítima.

E se despede amoroso.

Vítima: Tchauzinho
Chuks: Te amo.
Vítima: Te amo. Boa noite.

A pedido do Fantástico, um especialista em segurança digital rastreou o endereço do computador do bandido. O golpista estava bem longe da Inglaterra, na Nigéria.

“Eles sempre agem em quadrilhas. Eles têm todo um roteiro muito bem definido", explica Wandeson Castilho, especialista em segurança digital.

Existem muitas quadrilhas nigerianas aplicando esse golpe no mundo todo.

Há casos que terminam em sequestro ou em morte, como o de uma senhora australiana que perdeu R$ 270 mil para um criminoso nigeriano e foi assassinada. Por isso a brasileira teve muita sorte.

Dicas para não ser vítima desse golpe

Antes de descobrir a verdade, ela chegou a ir à Espanha para supostamente tentar liberar o dinheiro dele. Hospedou-se em um hotel indicado pelo bandido e recebeu a visita de um amigo dele. Para ajudar o "namorado", ela teria que abrir uma conta na Europa e, claro, gastar mais dinheiro.

“Eu teria que ser uma cidadã europeia para conseguir abrir uma conta lá, então eu teria que pagar US$ 38 mil para conseguir ser uma cidadã europeia”, revela a vítima.

Ela voltou ao Brasil, pegou mais um empréstimo e mandou o dinheiro. Cerca de R$ 90 mil na época.

“Hoje eu estou sem dinheiro e isso me tortura”, lamenta.

A vítima do golpe registrou o boletim de ocorrência em uma delegacia da Polícia Civil de Fortaleza, dois meses depois de enviar a última remessa de dinheiro.

Segundo o delegado, o caso vai ser encaminhado à Polícia Federal.

“Ela veio comunicar o crime quase um ano após ter sido envolvida nessa trama. Mas, sem sombra de dúvida, nós podemos sim procurar identificar o autor”, diz Jaime Pessoa, da Delegacia de Defraudações e Falsificações do Ceará.

O Fantástico contatou a embaixada da Nigéria em Brasília, em busca de possíveis informações sobre a identidade do criminoso, mas ninguém quis se manifestar.

Para não ser vítima desse golpe, aí vão duas dicas.

A primeira: converse usando câmera.

“Se já aparecer alguns problemas técnicos, ‘ah, eu não tenho câmera, minha câmera não funciona’, já desconfie”, orienta Wandeson Castilho, especialista em segurança digital.

E cuidado com quem pede dinheiro.

“Se começar a aparecer histórias muito tristes, e que você poderia ser o salvador para se ajudar, isso é característico: é o roteiro desse tipo de crime”, alerta Wandeson Castilho.

segunda-feira, 2 de março de 2015

FINGINDO DE DOENTE PARA ARRECADAR DINHEIRO PELA INTERNT

G1 FANTASTICO Edição do dia 01/03/2015

Skatista finge doença e arrecada dinheiro pela internet. Estudante Luma Cardoso convenceu colegas de turma a doarem dinheiro da festa de formatura para o rapaz. Ele diz estar arrependido e pede perdão.




O skatista do Piauí que forjou estar doente para conseguir dinheiro para um falso tratamento pede perdão às vítimas.

Numa entrevista exclusiva ao Fantástico, ele disse que está arrependido e chegou a ficar frente a frente com uma moça que doou o dinheiro da formatura para ele.
A conversa foi tensa.

O skatista Zacarias Godim postou um vídeo que circulou durante 15 dias na internet. Ele dizia que tinha leucemia aguda. Que a médica pediu para ele tratar a doença em São Paulo porque no Piauí não faz transplante de medula óssea e pedia ajuda financeira.

Luma Cardoso viu o vídeo e foi à casa do surfista. Convenceu todos os colegas a doar todo o dinheiro da festa de formatura ao Zacarias. Até uma ONG ajudou a divulgar a campanha.

A farsa foi descoberta. Uma médica viu sua assinatura no laudo sobre a doença de Zacarias.
O advogado Fabiano Nogueira disse que quando fez o vídeo ele achava que estava doente. Ele já tinha recebido o dinheiro quando recebeu o resultado dos exames. Ele não sabia o que fazer.
Diz que arrecadou R$ 23 mil e que gastou R$ 50 do dinheiro. Ele pediu perdão.
“Queria agradecer a todo mundo e pedir perdão a todo mundo de coração”.

Luma ficou frente a frente com ele:

“Você me enganou. Eu sofri junto contigo.”, diz Luma

Luma conta que por causa dele algumas pessoas a ofenderam na escola e que queriam a festa de volta.

“Eu fiquei com raiva de mim. Quando eu recebi o exame fiquei sem saber o que fazer. Aí desesperado eu fiz isso. Você me perdoa?”, diz Zacarias.

“Eu não tenho raiva, mas falar que te perdoo aqui seria da boca para fora. Você prejudicou muita gente que necessita,” diz Luma.

“Zacarias deve responder por estelionato e pela falsificação de documento público. A pena é de 1 a 6 anos de prisão. A Justiça vai decidir a quantia que será devolvida a cada pessoa que contribuiu para a campanha, diz o delegado-geral do Piauí, Riedel Batista.

“Eu espero ter de volta esses R$ 450 para realizar a nossa festa”, resume Luma.