sábado, 29 de novembro de 2014

QUADRILHA DOS VESTIBULARES

REVISTA ISTO É N° Edição: 2349 | 28.Nov.14


Como agia e como vivia o bando especializado em fraudar provas de universidades, que usava tecnologia sofisticada para burlar a fiscalização e cobrava até R$ 200 mil pelo gabarito. Criminoso chegava a gastar R$ 4 mil em noitada


Raul Montenegro




Era um domingo chuvoso e abafado em Belo Horizonte no dia 23 de novembro, quando 3.638 pessoas prestavam o vestibular da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. A data era decisiva para os candidatos ao concorrido curso de medicina – exceto para 22 postulantes, que pensavam estar com a vaga garantida. Eles tinham desembolsado entre R$ 70 mil e R$ 200 mil pelas respostas do teste, que seriam repassadas por uma quadrilha especializada em fraudar provas de universidades, entre elas o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O grupo atuava há 20 anos em diversos Estados do País. O que os vestibulandos trapaceiros e os bandidos não desconfiavam é que a Polícia Civil do Estado já estava a par do esquema e monitorava os passos do bando. Com a anuência da instituição de ensino, 40 policiais foram paramentados e infiltrados como fiscais, para acompanhar os envolvidos. Outros 30 homens monitoravam os arredores, numa operação batizada de Hemostase II, que envolveu também o Ministério Público mineiro. “Desbaratamos aquela que, pelo nível de sofisticação, acredito ser uma das maiores quadrilhas do ramo no Brasil”, diz o delegado Jeferson Botelho, superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais.


FIM DA LINHA
Integrantes de grupo que fraudou exames de admissão de várias faculdades
e o Enem são presos em Belo Horizonte no domingo 23



As autoridades investigavam o grupo há sete meses e já conheciam o modo de atuação dos criminosos. Eles conseguiam as respostas durante a realização dos testes, usando os chamados “pilotos”, indivíduos de grande conhecimento nas matérias, professores universitários e médicos residentes que se inscreviam como candidatos e faziam a prova no menor tempo possível. Com a solução em mãos, eles saíam das salas de exame e passavam o gabarito para outros membros da organização. Através de uma sofisticada aparelhagem eletrônica adquirida no exterior, as respostas eram repassadas aos vestibulandos pagantes, que carregavam receptores no formato de cartões de crédito e minúsculos pontos eletrônicos no ouvido. Foi nesse momento que os policiais agiram. Eles seguiram os “pilotos” e esperaram os primeiros resultados serem transmitidos para, então, efetuar as prisões em flagrante. Além dos 22 candidatos, 12 quadrilheiros foram presos. Os primeiros poderão responder por fraude em certame de interesse público, e os demais também por formação de quadrilha e falsidade ideológica. Os pais dos vestibulandos, jovens sem renda para arcar com custo tão alto, também serão investigados.




De acordo com o delegado Botelho, a gangue do vestibular de medicina era chefiada por dois homens em localidades distintas do País: Carlos Roberto Leite Lobo, de Guarujá (SP), e Áureo Moura Ferreira, de Teófilo Otoni (MG). O primeiro, um cirurgião dentista, operava há 20 anos na fraude. Era visto como homem de sucesso e possuía casa em condomínio fechado na cidade do litoral paulista, próxima à de jogadores famosos, como Neymar. O segundo, de apenas 26 anos, possuía uma empresa de fachada do ramo da promoção de eventos. Na verdade, viajava à China e a Dubai para adquirir os transmissores para o esquema criminoso. Dirigia carros esportivos de luxo, como Porsche, morava numa mansão em bairro nobre e frequentava noitadas onde chegava a gastar R$ 4 mil numa saída. Confessou que, somente nas fraudes recentes nos vestibulares de medicina, embolsaria R$ 3 milhões livres de despesas. Na casa de seu pai, foram apreendidas quatro armas. Preso, ele tentou pagar a fiança com notas falsas. O pai deverá ser acusado de falsificação de moeda pela Justiça Federal e os líderes por lavagem de dinheiro e pelos outros crimes.

As prisões ocorreram durante o vestibular da Faculdade de Ciências Médicas de Minas, mas durante as investigações a polícia detectou a presença do esquema nos testes de ingresso da Universidade de Brasília (DF), de uma faculdade em Fortaleza (CE) e no Enem. No último caso, o suspeito é um estagiário do Ministério Público em Montes Claros (MG), estudante de direito que teve acesso à prova antecipadamente. O grupo escolheu uma cidade no interior de Mato Grosso para resolver e distribuir os gabaritos. Acredita-se que 15 a 20 estudantes tenham sido beneficiados.



Fraudes em vestibulares são comuns no Brasil (leia quadro). No ano passado, a operação Hemostase I, que serviu como ponto de partida para a polícia mineira chegar à quadrilha atual, prendeu outra organização que atuava em diversas cidades de Minas Gerais e Rio de Janeiro, além do Enem. No caso do exame nacional, a documentação foi encaminhada para a Polícia Federal e há 20 dias foram indiciadas 17 pessoas pelo crime. A quadrilha presa agora terá destino semelhante. A polícia mineira investigará casos do Estado, e a parte relativa ao Enem será encaminhada à PF e ao Ministério Público Federal para prosseguimento das investigações. Em nota, o Inep, órgão federal que organiza o Enem, afirmou que solicitou informações à PF e que qualquer pessoa que tenha usado métodos ilegais será eliminada da prova.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

VERBAS PARA CARIDADE QUE FORAM PARA O BOLSO

TV GLOBO, FANTASTICO 23/11/2014 23h35

Bicheiros são acusados de desviar verba de instituições de caridade. Acusados de comandar o desvio do dinheiro, os irmãos Paschoal e o presidente do Instituto Ativa foram presos em operação da PF, há 10 dias.





Muita gente já deve ter visto anúncios, propagandas de títulos de capitalização vendidos em nove estados. Quem participa do sorteio concorre a um monte de prêmios, como carros e casas.

Uma parte da arrecadação deve, por lei, ser destinada a instituições de caridade. Só que a Polícia Federal descobriu que milhões de reais estão sendo desviados, e não chegam a quem mais precisa.

Dona Graça trabalha muito. De manhã até a noite.

“A gente recolhe material descartável em lojas, em hotel, restaurante, clínicas, hospitais”, explica Graça Cordeiro, presidente do Lar da Esperança.

E o dinheiro que recebe com a reciclagem não fica para ela, não. Há 25 anos, Dona Graça criou o Lar da Esperança, uma instituição de caridade em Teresina, Piauí. Ela cuida de 150 pessoas pobres que têm o vírus da aids.

Dona Graça: A gente sempre teve muita dificuldade. Falta aqui. Falta acolá. É consertar alguma coisa. Fazer outros reparos.
Fantástico: A gente vai acompanhar o dia da senhora hoje, hein?
Dona Graça: Está bom.

Mas será que o Lar da Esperança poderia ajudar mais gente? A Polícia Federal diz que sim. E não só essa entidade, várias outras!

O problema é que milhões de reais, que elas deveriam receber, estariam sendo desviados.

Fantástico: O que a senhora faria com esse dinheiro?
Dona Graça: Ah, eu ia investir aqui dentro. Eu ia terminar de fazer essa construção.

Os investigadores descobriram um escândalo: que quem está tirando dinheiro das instituições é um grupo de empresários, que vende títulos de capitalização. Esses títulos eram vendidos em nove estados e davam direito a participar de sorteios.

Os títulos eram vendidos geralmente na rua mesmo, por R$ 5 cada um.

A dona Graça, do Lar da Esperança, de Teresina, apostava na sorte: comprou mais de cem dessas cartelas.

Dona Graça: Quem sabe a gente leva um prêmio, que já ia servir.
Fantástico: A senhora ia investir tudo aqui?
Dona Graça: Com certeza porque aqui está precisando de muita coisa.

Esses títulos só podem vendidos se a metade do dinheiro arrecadado com a venda for para uma instituição de caridade.

No caso dos títulos suspeitos, os empresários escolheram o Instituto Ativa Brasil, de Belo Horizonte. Nas ruas, os vendedores confirmam:

Vendedora: Doado para o Instituto Ativa Brasil.
Fantástico: É instituição de caridade?
Vendedora: É.

Interessante é que eles reforçam que o dinheiro vai para uma instituição de caridade. É sempre assim.

Na TV, o mesmo discurso.

Comercial de TV: Você concorre a prêmios e cede os direitos de resgate ao Instituto Ativa Brasil. ‘Bahia dá sorte’, custa pouco sonhar.

A Polícia Federal afirma: a Ativa Brasil, na verdade, fazia parte da fraude. O instituto tinha que distribuir o dinheiro do título para pelo menos outras 26 entidades, em nove estados. Até mandava um pouco, para não chamar a atenção. Mas de acordo com as investigações, a maior parte do dinheiro era desviada.

“Fizeram todo esse esquema para que o dinheiro, na verdade, nem chegue ao destinatário final de forma completa, mas sim muito minguado”, ressalta Marcello Diniz Cordeiro, delegado da PF.

O Lar da Esperança, do Piauí, é uma das entidades que recebiam um pouquinho de dinheiro do Instituto Ativa.

A Dona Graça, que também comprava as cartelas, lembra que a ajuda para a instituição dela começou há três anos.

“Eles perguntaram se a gente tinha dificuldade. A gente falou que a nossa dificuldade eram as faturas de energia. Aí, eles pagaram todas as atrasadas”, diz Graça Cordeiro.

Em três anos, o Lar da Esperança recebeu R$ 72 mil do tal Instituto Ativa. R$ 2 mil por mês. Mas as investigações mostram que o repasse correto deveria ser 25 vezes maior. Ao todo, R$ 1,8 milhão.

Fantástico: É muito dinheiro?
Dona Graça: Eu não sei o que é isso. Eu não sei. Sinceramente eu não tenho ideia do que é R$ 1 milhão.
Fantástico: O que a senhora faria com esse dinheiro?
Dona Graça: Eu ia terminar de fazer essa construção. Arrumar essas portas, o forro, o telhado.

A única ambulância que existia para transportar os pacientes não tem maca, não tem banco. O assoalho todo enferrujado, com buraco. Os vidros estão quebrados. E a sirene, destruída. E mesmo que a gente tentasse entrar para dirigir o veículo, não tem como. A porta está emperrada, não abre.

Se recebesse o dinheiro certinho da ativa, Dona Graça também iria reformar a ambulância.

“Não fiz só sepultamento mas fui buscar gente no interior, levei gente pro hospital, para maternidade. Fez muita coisa boa. Medalha de honra ao mérito para essa ambulância”, afirma Graça Cordeiro.

A Polícia Federal fez as contas. Em um ano, cerca de 200 milhões de bilhetes do sorteio foram vendidos em nove estados. Sabe quanto dá isso? Cerca de R$ 1 bilhão.

R$ 500 milhões, a metade da arrecadação, deveriam ser repassados para as entidades assistenciais.

A Polícia Federal identificou todos os envolvidos na fraude: o presidente da Ativa e quatro empresários: os irmãos Hermes, Cláudio, Júlio e Gustavo Paschoal. Eles são os donos da empresa que vendia os títulos de capitalização.

A família Paschoal construiu um império em Pernambuco, formado por empresas, apartamentos em áreas nobres, e carros de luxo.

Segundo a polícia, eles também estão envolvidos com o jogo do bicho e máquinas caça-níqueis, na capital e no interior de Pernambuco.

Em 2012, os irmãos foram condenados a 3 anos de cadeia. Ganharam o direito de recorrer em liberdade.

No Recife, o Fantástico foi a três pontos de venda do título de capitalização. Em todos, também dava para fazer uma fezinha no bicho.

“A única atividade exercida por eles hoje é a distribuição de títulos de capitalização, através do Pernambuco dá sorte, que é o nome de fantasia da empresa”, destaca Ademar Rigueira, advogado dos irmãos Paschoal.

Acusados de comandar o desvio do dinheiro, os Paschoal e o presidente do Instituto Ativa foram presos em uma operação da Polícia Federal, há 10 dias. R$ 350 mil em dinheiro vivo foram apreendidos. O advogado dos irmãos Paschoal nega a fraude.

“Essas pessoas não se apropriaram desse dinheiro nem deram outra destinação. A destinação foi as entidades que se beneficiaram com a filantropia do grupo ativa”, afirma Ademar Rigueira.

Segundo a polícia, o dinheiro que deveria ser doado para as instituições voltava para os irmãos Paschoal, seguia o seguinte esquema: os títulos eram vendidos e parte da arrecadação repassada para a Ativa Brasil.

O instituto pagava uma outra empresa para fazer a propaganda dos sorteios e gastava, com isso, quase todo o dinheiro que recebia.

O detalhe é que essa empresa de publicidade também pertence aos irmãos Paschoal.

“Não há nenhuma irregularidade nisso. E em nenhum momento, o grupo tentou que isso não fosse mostrado aos órgãos reguladores. Tudo estava demonstrado contabilmente e nos documentos apresentados”, explica o advogado dos irmãos Paschoal.

Para quem investiga o caso, nada justifica tanto gasto com publicidade e tão pouco dinheiro para as instituições de caridade.

“Se você tem uma previsão de despesa de divulgação, seria algo que iria interferir mas não alterar substancialmente o valor destinado as entidades. É muito dinheiro que está deixando de ir para as entidades e sendo gasto com divulgação”, afirma Cristiano Machado, analista da Superintendência de Seguros Privados.

“Eu ia melhorar a casa. Eu ia fazer esses quartos que estão precisando, quem sabe abrigar idosos”, diz Graça Cordeiro.

Além do Lar da Esperança, da Dona Graça, o Fantástico foi a outras entidades que deveriam receber o repasse dos títulos de capitalização.

Na Bahia, a Associação Obras Sociais Irmã Dulce, uma das mais importantes e conhecidas do Brasil, ganhava R$ 5 mil por mês da ativa. Segundo a Polícia Federal, deveria receber R$ 125 mil mensais.

Em Pernambuco, uma creche comunitária, que fica numa área carente do Recife, ganhava R$ 3 mil por mês. O certo seriam R$ 75 mil, diz a investigação.

Recentemente, como faltou dinheiro para pagar as professoras, 20 vagas tiveram que ser cortadas.

Na Paraíba, a Ativa também mandava R$ 3 mil por mês para a Apae, de Campina Grande. Para a Polícia Federal, nem perto do valor correto: R$ 75 mil.

Gabrielle tem 12 anos. Duas vezes por semana, ela e a mãe saem de Junco do Seridó, onde moram, e vão até Campina Grande, para fazer tratamento na Apae.

“Na Apae? É uma maravilha o tratamento. Ela não falava muito. Ela não falava nada. Hoje, ela está bem melhor”, lembra Marizete dos Santos, mãe de Gabrielle.

Gabrielle viaja 100 quilômetros em um micro-ônibus da prefeitura, que também leva doentes para hospitais. Contando ida e volta, são cinco horas na estrada. Para conseguir atender 400 pessoas, a Apae de Campina Grande gasta R$ 65 mil por mês.

Ou seja, se a ativa pagasse os R$ 75 mil, sobraria dinheiro e daria para atender mais pacientes.

“A gente teria um número muito maior. A gente tem um serviço como a fonoaudiologia que tem mais de 200 usuários esperando uma vaga”, afirma Waléria Queiroz, diretora da Apae.

O presidente da Ativa saiu da cadeia quinta-feira passada e vai responder em liberdade.

Em nota, o instituto disse que "não há irregularidades em relação ao repasse financeiro às entidades filantrópicas" e que "toda a movimentação está registrada nos livros contábeis, que se encontram à disposição das autoridades”.

Agora, a venda dos títulos de capitalização da família Paschoal foi proibida. A Justiça também bloqueou R$ 100 milhões que estavam em contas bancárias.

“É aquele pensamento de sempre querer ganhar mais, muito mais. Porque se ele fizesse tudo correto, ele iria ter a parte dele, como todo empresário honesto tem, e todos sairiam ganhando, inclusive os institutos de filantropia”, destaca Marcello Diniz Cordeiro, delegado da PF.

Dona Graça, aquela senhora que passa o dia recolhendo papelão para pagar as despesas da instituição que cuida de pessoas com aids, já decidiu o que fazer, caso receba o dinheiro que foi desviado. Ela quer ajudar mais gente ainda.

Fantástico: A senhora nem queria tudo para senhora?
Dona Graça: Que tal a gente ratear entre mais entidades? Tem muita gente boa, honesta, trabalhando. Nós temos muitos abrigos que estão precisando. Então seria uma coisa de se fazer um rateio entre todas.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

GOLPE NO PRONAF TIROU A VIDA E A ESPERANÇA DE PEQUENOS AGRICULTORES

ZERO HORA 11/11/2014 | 05h05

Suspeita de suicídios. Agricultores lesados por golpe no Pronaf relatam tragédias familiares

Depoimentos de produtores sustentam hipótese de que parentes se mataram após descobrir dívidas que teriam sido feitas ilegalmente em seu nome. Em alguns casos, além dos débitos, outros motivos podem ter contribuído para decisão

por Humberto Trezzi


Reneu Roesch mostra fotos da mulher que, pressionada pelas cobranças, decidiu pôr fim à vida Foto: Ronaldo Bernardi / Agencia RBS


Fraude pode matar? A Polícia Federal (PF) desconfia que sim. Isso porque alguns agricultores vítimas de desvio de recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), endividados em decorrência do prejuízo sofrido, cometeram suicídio.

Durante três dias, ZH percorreu municípios do Vale do Rio Pardo, onde vivem 6,3 mil plantadores de fumo que financiaram recursos no total de R$ 79 milhões. Algumas pessoas, desesperadas, teriam decidido se matar quando descobriram estar com débitos que juravam não ter contraído. É provável que tenham optado pela morte não apenas por esse motivo, algumas eram deprimidas, outras tinham problemas de alcoolismo.


Uma das que deram fim à vida, em maio de 2013, é Selíria Roesch, 46 anos, que morava num morro em Linha Chaves, no distrito de Monte Alverne, município de Santa Cruz do Sul. Ela sofria de depressão e piorou, segundo familiares e amigos, quando descobriu que o marido, Reneu, 56 anos, não conseguia saldar um débito de R$ 20 mil relativo ao Pronaf.

– Uma dívida irreal, inexistente – assegura Reneu.

A operação que endividou a família foi feita por meio da Associação Santa-Cruzense dos Agricultores Camponeses (Aspac), entidade ligada ao Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e apontada pela PF como líder do esquema fraudulento.

Conforme inquérito, a Aspac intermediava contratos dos filiados com o Banco do Brasil (BB), para obter financiamentos do Pronaf. O dinheiro liberado, em alguns casos, parava nas contas da própria associação, e parte seria repassada a contas particulares de dirigentes da entidade – sem que os agricultores soubessem.

Reneu afirma ter financiado R$ 5 mil para custeio do plantio de milho, enquanto Selíria financiou quantia inferior a essa. Um dia foram ao BB e descobriram que tinham débito de R$ 20 mil, referente a empréstimos que não teriam pedido. Reclamaram ao próprio banco e foram até o MPA fazer o mesmo.

– Dissemos que não estava certo, nos mostraram a nossa assinatura numa autorização de débito. Neguei conhecer os contratos. Minha mulher discutiu três vezes. Na terceira, a Selíria voltou para casa chorando e, 14 dias depois, se matou – fala Reneu, que só dorme com tranquilizantes.

Ireno dos Santos, 44 anos, se matou em janeiro de 2011. Ele morava no cume de um morro em Linha Almeida, interior de Sinimbu, no qual só é possível chegar a cavalo, de moto ou a pé, em meio a uma densa mata nativa. Plantava fumo numa pequena área de seis hectares. Nem telefone tinha. Só foi encontrado três meses depois da morte.

“Vivia com duas mudas de roupa”




Após suicídio do irmão, Vítor dos Santos descobriu que morto tinha dívidas em 11 financiamentos (Foto Ronaldo Bernardi)

Aos irmãos Sérgio e Vítor, Ireno se queixava de estar sempre sem dinheiro. Dizia não dever tudo que lhe imputavam. Após a morte do irmão, Vítor decidiu averiguar. Pediu extrato dos débitos ao BB, negado. Mas o inquérito da PF revela quanto Ireno movimentou do Pronaf: R$ 36 mil, relativos a 11 operações intermediadas por representantes do MPA, entre julho de 2009 e setembro de 2010. A maior parte, dívidas.
O problema, alegam os familiares, é que os dados desses financiamentos não seriam verdadeiros. Consta ali, por exemplo, dinheiro para compra de dois zebus, duas vacas jersey e seis outros bovinos.

– Ireno nunca teve gado, nem financiou a compra de animais. Vivia com duas mudas de roupa. Nem dinheiro para pagar multa da moto tinha, como financiaria um estábulo? – questiona Vítor, que encaminhou os papéis a um advogado, convencido de que o irmão não sabia dos empréstimos feitos em seu nome.

No inquérito, a PF listou os 134 suicídios ocorridos entre 2010 e 2013 em nove cidades do Vale do Rio Pardo e verificou que pelo menos 10 dos mortos estavam envolvidos em transações financeiras com a Aspac. Durante a apuração, ZH conseguiu informações sobre cinco dos mortos, entre eles Selíria e Ireno, cujas famílias vinculam o suicídio à suposta fraude.

Nos outros três casos, a reportagem encontrou, além de dívidas, outros motivos que podem ter levado à morte: um câncer em estágio avançado, problema com bebidas e depressão provocada por um débito verdadeiro.

Investigação em várias frentes

Além da PF, duas outras instituições abriram investigações sobre o golpe do Pronaf no Vale do Rio Pardo. O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) decidiu impedir a Aspac de realizar o cadastro dos agricultores. O MDA fará auditoria nas Declarações de Aptidão do Pronaf emitidas pela Aspac nos últimos anos.

A associação também não poderá mais atuar como intermediária entre os produtores e os bancos para tomada dos empréstimos, já que também foi descredenciada pelo Banco do Brasil (BB). As medidas foram tomadas após uma equipe de fiscais entrevistar agricultores de Santa Cruz e Sinimbu que se dizem lesados na fraude.

Olinto Dutra, de Alto Paredão, deu queixa na PF contra a Aspac. Admite que assinou financiamento de R$ 5 mil em 2012, mas diz que demorou vários meses para ver o dinheiro e teria recebido apenas parte, em várias parcelas.

Loreni Golarte, também de Alto Paredão e dona de 3,7 hectares de terra, fez quatro débitos via Pronaf em 2009, nos valores de R$ 9 mil, R$ 4,7 mil, R$ 4,9 mil e R$ 2 mil. Ela diz ter sido informada pela Aspac que, para quitar os empréstimos, bastava assinar outros papéis para “rolar” a dívida. Constatou, porém, que em 2012 ainda devia o dinheiro. Pior: seu nome foi parar na Serasa como devedora.

O BB também realiza auditoria. Investiga empréstimos autorizados por sete funcionários: quatro gerentes e subgerentes de Santa Cruz do Sul e três servidores da agência de Sinimbu. Todos são suspeitos de gestão temerária em operações de risco e de não fiscalizarem devidamente os contratos do Pronaf firmados na região.

No Congresso, foi aprovada a realização de audiência para tratar do assunto. A ideia é convidar representantes do Ministério Público Federal, da PF e do MDA, além do vereador de Santa Cruz do Sul Wilson Rabuske (PT), apontado no inquérito como suspeito de envolvimento no esquema.

A PF aponta que parte do dinheiro dos financiamentos teria sido usada para pagar contas de campanha de políticos simpatizantes do MPA. O deputado Elvino Bohn Gass (PT) chegou a ser citado, mas a falta de provas contra ele e o vazamento da operação na mídia fizeram com que o Supremo Tribunal Federal desistisse da apuração a respeito do parlamentar.

Fraude pode ter afetado esperança, diz psicóloga

Perda de dinheiro, de confiança no outro, de esperança no futuro. Esses são sentimentos que podem ter se abatido sobre as pessoas atingidas pelas fraudes no Pronaf. E que podem ter levado algumas a dar fim à própria vida.

A interpretação é de Rosângela Werlang, doutora em Psicologia Social, professora na Faculdade de Integração do Ensino Superior do Cone Sul (Fisul) e especialista em suicídios nas áreas rurais do RS.

– Uma dívida impagável que a pessoa pensa não ter contraído abala certezas. Existe ainda a vergonha: Como fui deixar isso acontecer? Isso corrói a confiança em si e no outro. E, nesse quadro, vem a antecipação do futuro, por meio do suicídio, que é a total desesperança – diz Rosângela.

A especialista não descarta que os agricultores já tivessem sofrimento psíquico, mas avalia que os fatores externos podem ter influenciado na decisão.

– Tudo indica que, com dívidas e sem dinheiro, lesadas, usadas e não visualizando um futuro adequado, essas pessoas optaram pela morte – afirma Rosângela.

Essa questão deve ser tratada, na opinião dela, de forma coletiva, para evitar que os agricultores se sintam sozinhos. Devem se unir para que a dor seja menor e que a autodestruição seja substituída pela superação.

“Decidi viver”, afirma produtor



Devedor de um financiamento de R$ 14 mil, Paulo César Back constatou ter mais dois débitos que não reconhece (Foto Ronaldo Bernardi)

Alto Paredão, distrito de Santa Cruz do Sul, justifica o nome. É uma área rochosa, escarpada, recortada por trilhas de difícil acesso. Fala-se ali mais o Hunsrückisch (dialeto alemão) que o português. É também o epicentro da maioria dos casos relacionados à fraude do Pronaf.

Morador do distrito, Paulo César Back parcelou R$ 14 mil de Pronaf em 10 anos, em prestações de R$ 1,4 mil. Fez isso mediante contrato com o Banco do Brasil, intermediado pela Aspac. Pagou a primeira parcela e descobriu, em 2012, que tem mais dois débitos de R$ 4,7 mil, cada, que afirma jamais ter contratado. Foi parar na Serasa.
Não tem como custear advogado: conta apenas uma junta de bois para trabalhar a terra. À família, chegou a dizer que iria se matar.

– Agora estou mais calmo. Decidi viver, enfrentar. Quero é Justiça – conclui.

CONTRAPONTO

O que diz Wilson Rabuske, coordenador do MPA em Santa Cruz do Sul e investigado pela PF - Nega a existência da fraude e assegura que os produtores receberam cada centavo do que financiaram. O dirigente afirma acreditar que o assunto tenha vindo à tona por “motivações políticas”, já que o tema vazou às vésperas do primeiro turno. Veja o que Rabuske diz sobre os temas levantados pela PF.

A relação do MPA e da Aspac com o Pronaf - Diz que as entidades ajudavam os agricultores, fazendo o contato entre eles e o Banco do Brasil. Avalizava a aptidão dos associados em contrair empréstimos.

– A Aspac até adiantava financiamentos e cobrava depois.

Dinheiro nas contas da Aspac
- Admite que, em alguns casos, o dinheiro dos empréstimos era transferido para uma conta da Aspac. Diz que isso era autorizado por agricultores que ainda não tinham nota fiscal de produtor rural, vital para prestar contas de financiamentos. O dinheiro teria sido devolvido integralmente aos agricultores, embora muitos neguem.

Descontos feitos pela Aspac nos empréstimos - Reconhece que o MPA cobrava taxas, em média de R$ 150, para intermediar os financiamentos, “um procedimento regular, como uma contribuição associativa”.

Dinheiro da Aspac nas contas de Rabuske - Admite que algumas vezes usou suas contas bancárias e da mulher para receber dinheiro das contas da Aspac, para ressarcimento de despesas que ele teve com agricultores ou até porque o seu limite bancário era maior que o da Aspac. Diz não lembrar se informou isso à Receita. A PF considera as operações irregulares.

Sobre os suicídios - Cita vários casos de suicídio e diz que o Pronaf dessas pessoas foi pago, está tudo correto.

– Talvez esses que se mataram estivessem muito endividados com fumageiras. Talvez o Pronaf e o MPA até tenham ajudado eles quando precisaram. É irresponsabilidade vincular as mortes às dívidas.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

DESVIO MILIONÁRIO NA CAIXA FEDERAL



ZH 06 de novembro de 2014 | N° 17975

Fraude contra Caixa resulta em prejuízo de R$ 22 milhões no RS. Operação da PF cumpriu mandados de busca e apreensão na Capital e em mais quatro cidades



Uma fraude milionária contra a Caixa apurada pela Polícia Federal (PF) no Estado envolvia o gerente de uma agência (não foi divulgado o nome), um correspondente bancário e cerca de 70 empresas de ramos como construção, transporte e comércio.

O inquérito que apura prejuízo de R$ 22 milhões à instituição deu origem à Operação Rolagem, deflagrada na manhã de ontem. Os policiais federais cumpriram nove mandados de busca e apreensão e 13 de condução coercitiva (apenas para prestar depoimento) na Capital, em Canoas, Estância Velha e Novo Hamburgo.

– Quem trouxe a notícia da possível ocorrência de crime foi a Caixa. Ao analisar algumas operações de crédito, a instituição detectou suspeita de fraude em uma agência específica. A Caixa fez uma apuração interna e rapidamente procurou a Polícia Federal – informou o superintendente da PF no Rio Grande do Sul, Sandro Caron.

A investigação teve início em fevereiro e apurou fatos entre julho de 2012 e novembro de 2013.

O esquema era operado por um correspondente bancário, que não era funcionário da Caixa, e pelo então gerente, que já foi demitido.







Empréstimos chegavam a até R$ 300 mil



O valor dos empréstimos concedidos oscilava entre R$ 200 mil e R$ 300 mil. Os suspeitos, conforme a PF, tomavam cuidado para que a concessão ficasse apenas no âmbito da agência, e não da superintendência. No inquérito, consta que empresas do mesmo grupo trocavam duplicatas para antecipar os empréstimos – eram documentos simulados, não havia prestação de serviço entre as firmas.

Os policiais federais buscam detectar qual a participação de cada pessoa na fraude, quais empresas são forjadas e quem não sabia que tinha o nome usado. Os envolvidos podem responder por formação de quadrilha, estelionato, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta.

Na manhã de ontem, foram apreendidos três veículos, joias, R$ 12 mil em dinheiro, documentos, cartões de crédito e cheques.

A PF pediu a prisão temporária de quatro pessoas – entre elas, o ex-gerente –, mas o pedido não foi acatado pela Justiça.



COMO ERA O ESQUEMA

1. Uma organização criminosa utilizava o nome de aproximadamente 70 empresas para abrir contas em uma agência de Porto Alegre (não foi divulgado o bairro) com documentação forjada.

2. Na sequência, eram contraídas operações de crédito em nome dessas firmas.

3. Obtidos os empréstimos, eram efetuadas transferências para pessoas físicas e jurídicas inadimplentes, o que se denomina rolagem da dívida.

4. As movimentações nas contas abertas na agência por essas empresas se referiam apenas às transferências dos empréstimos.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

FRAUDE NA ABERTURA DE CONTAS NA CEF



ZH 05/11/2014 | 08h47


Operação Rolagem. Polícia Federal investiga fraude de R$ 22 milhões contra a Caixa
Corporação identificou que criminosos utilizaram o nome de cerca de 70 empresas para abertura de contas



A Polícia Federal investiga uma fraude cujo prejuízo à Caixa Econômica Federal superou R$ 22 milhões — é a maior apuração da PF relacionada a esse tipo de crime envolvendo a instituição no Rio Grande do Sul. Na manhã desta quarta-feira, a corporação deflagrou a Operação Rolagem, com o cumprimento de nove mandados de busca e apreensão e 13 de condução coercitiva (quando o suspeito é levado à delegacia para prestar depoimento) em Porto Alegre, Canoas, Estância Velha e Novo Hamburgo.

A apuração da PF se iniciou em fevereiro: a Caixa encaminhou informações, após instauração de procedimento para averiguar a conduta de funcionários, já que havia grande número de operações de crédito supostamente fraudulentas contratadas por empresas junto a determinadas unidades da instituição, o que gerou elevada inadimplência. Os policiais federais abriram inquérito para apurar fraudes contra o banco, crime contra o sistema financeiro nacional e lavagem de dinheiro.


De acordo com a PF, a organização criminosa utilizou o nome de cerca de 70 empresas para abertura de contas, seguida da contratação de empréstimos com uso de documentação falsa. O esquema teria sido viabilizado com a participação do gerente de uma agência, já afastado. A fraude, segundo a investigação, também contou com um Correspondente Caixa e terceiros, que se apresentavam como procuradores, intermediários ou consultores de empresas de fachada.

Essas empresas tomaram crédito em elevados montantes e efetuavam saques de valores significativos ou remetiam os recursos para contas de pessoas físicas ou de outras empresas inadimplentes, culminando com o encerramento da conta com saldo negativo. Também foi verificado que os grupos envolvidos utilizaram duplicatas simuladas com especificações semelhantes para desconto e obtenção antecipada de crédito, mesmo sem apresentar características de atividade comercial típica.

A PF informa que foram colhidos fortes indícios de que o gerente afastado e o correspondente bancário credenciado à época teriam sido favorecidos com o esquema e que estariam ocultando bens, registrando-os em nome de terceiros ou familiares. Por isso, foram determinadas judicialmente medidas constritivas de arresto e sequestro de bens imóveis e veículos.

*Zero Hora