segunda-feira, 20 de julho de 2015

CRIMES E DOENÇAS NO MUNDO VIRTUAL

G1 FANTÁSTICO Edição do dia 19/07/2015


Cartões clonados, prostituição e pedofilia: crimes escondidos no mundo dos jogos online. Jovem de 21 anos conta que fez strip-tease para ter vantagens em game. Para comprar crédito, jogadores chegam a usar cartões clonados.





Tudo parece uma brincadeira inofensiva: passar de fase, ganhar poderes, ganhar prêmios e, assim, ir cada vez mais longe no jogo. O problema é que tem gente que não consegue parar. A brincadeira vira vício. E esse vício virtual abre portas para crimes bem reais, como prostituição, clonagem de cartão de crédito e até pedofilia.

Um mundo mágico, personagens fantásticos, superpoderosos, indestrutíveis. E você no controle de tudo. “Perdi, praticamente, todos os meus amigos, a minha faculdade eu tranquei”, conta uma jovem.

“Já cheguei até a 2, 3 dias sem tomar banho”, diz a aposentada Isabel Ferreira.

“Investi mais de R$ 500 mil”, revela o jogador que não ser identificado.

Mas quem são essas pessoas?

“Eles encontram na vida virtual muito mais satisfação social do que eles têm na vida real”, explica o psicólogo Cristiano Nabuco.

Estamos falando de jogos de internet, que acontecem em ambientes virtuais. O tempo que alguém dedica a esse mundo virtual é o principal sintoma de que algo não vai bem. O dia todo, a noite inteira ali dentro e a vida lá fora deixada de lado. O que começou como uma brincadeira se torna vício e por trás da relação doentia de milhares de pessoas com os jogos virtuais tem um lado oculto e bem real: o lado do crime.

“Aí já entra a questão do cartão clonado, pornografia, pedofilia”, afirma um homem que não quis ser identificado.

Em alguns jogos online, para avançar, passar de fases, é preciso cumprir tarefas. Conquistar armas e equipamentos, dar experiência aos personagens. Você só consegue isso com muito tempo ou muito dinheiro.

E quem não tem nenhum dos dois?

“Fazer poses, tirar a roupa, coisa erótica, coisa de homem mesmo”, conta uma jovem. Ela não quer mostrar o rosto por vergonha da família. A estudante de 23 anos não se intimidou na hora de tirar a roupa na frente da câmera do computador.

Fantástico: Você fez um strip-tease?
Jovem: Sim, fiz.
Fantástico: Tudo isso pelo jogo?
Jovem: Tudo isso pelo jogo.

Do outro lado da tela estava um jogador que prometia dar diamantes, que valem como moeda num dos jogos online, mas não era um jogador qualquer. Era também o que eles chamam de mediador.

Fantástico: O mediador está no jogo para quê?
Jovem: Mediador está lá para te ajudar na verdade.
Fantástico: E ele tem acesso a seus dados?
Jovem: Sim.

Os moderadores são contratados pelas empresas que controlam os jogos, principalmente onde esses games são bem populares, como no Brasil, Turquia e Estados Unidos. Eles devem ajudar os novatos a jogar e são um tipo de fiscal. Por isso, têm acesso a informações de todos os jogadores, inclusive fotos. Alguns se aproveitam desse poder para cometer crimes.

Um rapaz foi um desses moderadores e denuncia casos de pedofilia, envolvendo crianças que estavam jogando.

Moderador: No jogo tem um bate-papo, tem um chat, online, instantâneo. Você conversava normal. Pessoas anunciavam no chat, às vezes, que o moderador tinha solicitado foto da fulana X pelada para dar 100 diamantes, 200 diamantes. Então, isso era muito comum acontecer.
Fantástico: Com crianças?
Moderador: Com crianças.

Para se tornar um jogador importante nesses jogos online, parece não haver limites. Ícaro, no mundo real, é um publicitário que não mostrou o rosto. No mundo virtual, o primeiro colocado em um desses jogos online. Mas isso teve um preço alto.

Ícaro: Já cheguei a investir mais de R$ 500 mil.
Fantástico: R$ 500 mil?
Ícaro: Sim.

É isso mesmo! Ícaro gastou meio milhão de reais para equipar o personagem e se tornar o número um no jogo. Como prova dos gastos, ele nos mostrou o histórico recente de compras. De família rica e bem de vida, para ele dinheiro não é problema. No dia da entrevista, em apenas três horas, Ícaro tinha gastado R$ 2,5 mil em créditos.

Fantástico: Você é o número um. Você deve ser bem amado nessa comunidade.
Ícaro: Ah, sou bem amado e odiado ao mesmo tempo. Esse é um jogo que mexe com o ego.

Odiado porque revelou mais um crime nesse mundo virtual. Jogadores com bem menos dinheiro do que eles participam de uma fraude na compra dos tais diamantes que valem como moeda.

Ícaro: Cartão de crédito clonado, entre outras coisas.
Fantástico: E você conhece pessoas que fazem isso? Você sabe de pessoas que fazem isso?
Ícaro: Sei, sim.
Fantástico: Então, esse não é um mundo virtual apenas.
Ícaro: Não é. Exatamente.

Os diamantes que valem como créditos nos jogos são vendidos em sites de compra. Dependendo da quantidade, custam entre R$ 10 e R$ 2,1 mil, mas funcionários desses sites oferecem os diamantes pela metade do preço. Como? Os funcionários vendem os diamantes com desconto para os jogadores e ficam com o dinheiro. Depois, pagam às empresas pelo valor total com cartões clonados.

Fantástico: Mas cartão de quem?
Mediador: Ai que está, de quem que são os cartões? Os cartões são de várias pessoas, cartões clonados mesmo. São daquelas pessoas que, às vezes, abasteceu em um posto e sem querer o frentista foi lá e clonou o cartão.

O mediador negociou uma compra e guardou todos os e-mails que trocou com o funcionário do site de compra. As compras também são chamadas de recargas. O funcionário escreve: "Basta você fazer o pedido como se fosse comprar diamantes, normalmente, mas por boleto ou depósito. Vai pagar direto na conta que te mandar". Preocupado, ele pede aos clientes que sejam discretos: "Peço a todos que aguardem as recargas para não gerar transtorno e desconfiança entre os jogadores".

As autoridades dizem que nem sempre podem agir, porque os crimes não são denunciados. “A internet não é uma terra sem lei. As pessoas têm que acabar com esse mito de que na internet elas não são identificadas. São identificadas e devem ser punidas se praticarem crimes. O importante é denunciar”, afirma a procuradora-regional da República Neide de Oliveira.

É só um jogo. É virtual. Um clique e tudo desaparece. Desaparece? Não é simples assim. O chamado "transtorno por jogos de internet" entrou oficialmente no manual usado por psiquiatras do mundo todo para o diagnóstico de doenças mentais. E por um motivo simples: nada é real, mas as consequências do vício são. “Esses jogos são montados de uma maneira em que, nas fases iniciais, você consegue ganhar pontos de uma maneira muito fácil e rápida, exatamente, para mexer com a sua autoestima”, explica o psicólogo Cristiano Nabuco.

Foi o que aconteceu com uma jovem de 19 anos. Ela tinha acabado de ser aprovada para uma universidade federal. Entre o vestibular e o início das aulas, seis meses de espera. O jogo seria um passatempo, mas passou tempo demais. Por causa do vício, desistiu da faculdade. “É como se fosse uma droga. É um vício muito grande e as pessoas infelizmente não têm ideia, acham que é idiotice, acham que é bobagem, que é fase, mas não é”, diz.

Ela se isolou no quarto com o computador. Vida social, contato com amigos e com os próprios pais... “Eu perdi tudo. Eu perdi tudo. Eu tinha uma vida, ela parou. Parei minha vida por causa disso”, conta a jovem.

O caminho para vencer o vício é duro. É o que conta Isabel Ferreira, que precisou ser internada. Ela jogou por quatro anos sem parar. “Foram quatro anos de perda de tempo. Foram quatro anos de ilusão, de fuga da realidade”, relembra Isabel Ferreira.

Depois de brigar com a família e desenvolver problemas de saúde graves, Isabel procurou ajuda em uma clínica em Araçoiaba da Serra, no interior de São Paulo. Na semana passada, teve alta depois de oito meses de tratamento. Os passos seguidos por Isabel para se livrar do vício são os mesmos usados por grupos como Alcoólicos Anônimos. “Eu poderia ter resolvido apenas com sentar com a minha família ou conversar com a minha filha ao invés de fugir da realidade, fugir dos problemas”, diz Isabel.

Psiquiatras dizem que esse tipo de jogo seduz ainda mais quem está com a autoestima baixa. “A vida virtual se tornou uma vida tão interessante, ele é tão bem sucedido, tão querido, tão valorizado, que a realidade concreta se torna uma realidade sem graça”, explica o psicólogo Cristiano Nabuco.

Enquanto isso, a indústria de games cresce, e rápido.

Uma consultoria estima que o mercado de jogos movimente US$ 91 bilhões no mundo inteiro apenas neste ano. No Brasil, o mercado de games vai na contramão da economia e cresceu entre 9% e 15% nos últimos cinco anos. São milhões de brasileiros conectados e jogando online todos os dias.

“A dica qual é: seu filho quer fazer parte de um jogo? Ele quer utilizar o videogame pela internet? Não tem problema, você pode, pode até jogar com ele se for o caso. A questão fundamental é: estabeleça um horário e um tempo de duração”, recomenda Cristiano Nabuco.

Nesse mundo mágico de personagens fantásticos e indestrutíveis, o importante é manter o controle para ser só uma diversão, porque, sem controle, a pior das batalhas é ser sair do jogo.

Fantástico: Você não vai voltar a jogar?
Jovem de 19 anos: Não, não vou. Não quero, não vou e não tem quem faça.
Fantástico: Quanto tempo você já está sem jogar?
Jovem de 19 anos: Já tem uns quatro, cinco meses.
Fantástico: Isso aqui acabou, pode fechar?
Jovem de 19 anos: Pode fechar.
Fantástico: Tem certeza?
Jovem de 19 anos: Absoluta.

sábado, 9 de maio de 2015

O GOLPE DO INTERCÂMBIO

REVISTA ISTO É N° Edição: 2371 |  09.Mai.15 - 10:33



Empresário brasileiro tem escola na Irlanda fechada por irregularidades e deixa dezenas de jovens sem visto de estudante e sem dinheiro


Camila Brandalise



A possibilidade de estudar inglês e trabalhar em um país que permite acesso fácil a grande parte da Europa fez com que o mineiro Lucas Marçal, 28 anos, escolhesse a cidade de Dublin para um intercâmbio de seis meses. Tudo estava previsto para ele partir no dia 26 de julho deste ano, mas a pouco mais de dois meses do embarque, soube que a escola em que estudaria, a International Education Academy (IEA), cujo dono é brasileiro, fechou. “Já estou atrás de outra. Não tenho esperança de receber o dinheiro de volta.” De acordo com outros brasileiros que também fecharam contrato com a IEA – ou com seu braço em Itu, no interior de São Paulo, a I2 Intercâmbios –, o pacote promocional de seis meses de curso custava entre R$ 4,2 mil a 5,7 mil.


PROTESTO
Alunos durante manifestação após fechamento de escolas para estrangeiros
em Dublin, entre elas a IEA, onde estudavam muitos brasileiros

Diferentemente de Marçal, o paulista Vlad Beil Carreiro, 26 anos, vai adiar seus planos. “Investi R$ 3,4 mil no intercâmbio, passaria dois meses lá, mas não tenho como pagar outro pacote e vou cancelar a viagem.” A situação é ainda pior para quem já está morando na Irlanda. A reportagem de ISTOÉ entrou em contato com outros 15 brasileiros matriculados na escola e vivendo em Dublin que alegaram também terem sido lesados pela instituição. Muitos deles terão de voltar antes do previsto ou viver ilegalmente por não terem dinheiro para comprar outro curso e, consequentemente, não conseguirem solicitar o visto de estudante, impossível de se obter sem estar matriculado em um centro de ensino.

A Irlanda, e principalmente a capital, Dublin, é hoje um dos destinos preferidos dos brasileiros que querem passar uma temporada fora. Foi o país que apresentou o maior aumento em vendas de pacotes de intercâmbio no primeiro trimestre deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado, registrando um aumento de 30%, segundo a STB, líder brasileira no segmento de educação internacional. Com a grande procura, não só de brasileiros, escolas de idiomas surgiram aos montes no País, também conhecido pela facilidade na obtenção do visto se comparado a outros lugares, como Londres. Mas o cerco da imigração começou a apertar principalmente a partir deste ano, quando foram estabelecidas novas regras para concessão do visto de estudante, e como um efeito dominó, uma série de centros de ensino estão fechando suas portas. Os problemas são tanto em relação a exigências da imigração quanto a problemas financeiros. A IEA é a 14º instituição a encerrar os trabalhos desde abril de 2014 somente na cidade de Dublin. “Houve uma explosão de brasileiros por lá por uma série de fatores: o governo permite estudo com trabalho temporário e há muitas escolas baratas, que chamamos de aventureiras, que não tem compromisso com os alunos e fecham sem dar explicações”, afirma Marcelo Albuquerque, diretor financeiro da Brazilian Educational & Language Travel Association (Belta).


FUGA
O brasileiro José Amaral, dono da International Academy School, voltou para
o Brasil após escola ser acusada de fraudar documentos junto à imigração irlandesa

A IEA, que atendia cerca de 600 alunos, encerrou seus serviços em meio a uma denúncia de fraude junto à imigração irlandesa. A escola, como informa o Departamento de Justiça daquele país, ministrava aula de idiomas. Mas fornecia aos estudantes um documento de imigração no qual constava a matrícula no curso conhecido como CTH, da área de turismo e hotelaria. A informação é confirmada por alunos que dizem constar um tipo de curso no contrato e outro no documento a ser entregue às autoridades. A manobra foi criada porque a IEA não tem autorização para ministrar aulas de inglês para não europeus que solicitem o visto de estudante. Como explica Sue Hackett, gerente de educação internacional do Acels, órgão de certificação de qualidade de ensino ligado a uma agência estatal, há duas listas de cursos nos quais o aluno estrangeiro precisa estar matriculado para obter a permissão de estadia maior do que três meses. Da primeira, fazem parte os programas reconhecidos pelo Acels. Na segunda constam certificações como a CTH. A IEA não possuía esse selo Acels e, segundo Sue, nunca teve. Questionada sobre os motivos, a gerente afirma serem serem confidenciais, mas garante que os dirigentes da escola sabiam o motivo.



Dono da instituição, o brasileiro José Amaral afirma que a própria imigração orientou a escola a proceder dessa maneira enquanto não recebia o selo de qualificação. À reportagem, Amaral enviou um documento com uma avaliação positiva da IEA feita pelo Acels, onde constavam algumas ressalvas. Entre elas, a necessidade de a escola se adequar aos regulamentos da imigração e de matricular os alunos do curso de línguas no programa que, de fato, faziam parte. Sue Hackett reitera que qualquer escola pode ensinar outra língua para estrangeiros, a diferença é que o aluno não poderá solicitar o visto de estudante se não estiver em um centro de ensino certificado. Por causa desse imbróglio, a imigração irlandesa está barrando vistos de alunos da IEA, como no caso de Camila Pessoa de Aguiar, 26 anos, que já está em Dublin. “Fui à imigração duas vezes e disseram que a escola está sob investigação”, diz. O departamento de Justiça do País confirmou a informação à ISTOÉ. “Está claro que a escola estava oferecendo programa de línguas para estudantes não europeus sem ser autorizada para isso.” O empresário José Amaral, que em meio à crise e à pressão dos alunos e das autoridades voltou ao Brasil, alega que não recebeu nenhuma notificação. Diz ainda que só não foi certificado pelo Acels por preconceito, pelo fato de ele ser “o brasileiro que ajuda pobres a permanecerem no País”. “Estou sendo perseguido. Há um imenso esquema de corrupção no País que favorece um pequeno grupo de escolas e esse cartel quer que minha escola feche.”



Os alunos identificaram sinais de irregularidades antes de a IEA ser detida pelas autoridades irlandesas. “Percebi que havia algo errado no dia em que uma professora chegou na sala de aula desesperada pedindo para que, se alguém perguntasse se fazíamos curso de inglês, respondêssemos que não”, afirma José Wilker, 26 anos, que pagou por seis meses de aulas, mas cursou apenas sete dias. “Procurei o José Amaral, mas ele não respondeu nada do que perguntei e não aceitou a proposta de devolução de dinheiro ou transferência para uma outra escola”, diz. Wilker afirma que sua situação atual é a pior possível. “Meu visto de três meses de turista está para vencer, não tenho visto de estudante, estou sem escola porque meu contrato com a IEA foi rescindido e eles me deram o prazo de sete dias úteis para devolverem meu dinheiro, o que não aconteceu”, diz. Sem perspectiva, Wilker pensa em voltar para o Brasil. Em nota, a Embaixada do Brasil em Dublin afirma que está em contato com as autoridades irlandesas sobre o fechamento de escolas de inglês para tentar orientar os alunos brasileiros. “O governo irlandês criou um grupo de trabalho interministerial que deverá propor medidas com vistas à reforma do ensino de inglês no país.”



Foto: Sorcha Pollak/The Irish Times

sábado, 25 de abril de 2015

COMO SONEGAVAM IMPOSTOS NO RS

ZERO HORA 05/12/2014 | 16h52

por Eduardo Rosa


Como agia a organização criminosa que sonegava impostos no RS. Grupo voltado à comercialização de carnes movimentou R$ 250 milhões ao longo dos últimos 10 anos



Material apreendido foi levados à sede do Deic, em Porto Alegre Foto: Ronaldo Bernardi / Agencia RBS


A organização criminosa desarticulada em operação da Polícia Civil e da Receita Estadual na manhã desta sexta-feira tinha um propósito simples: driblar a cobrança de tributos no comércio de carnes.

Se o objetivo era simples, o esquema que possibilitou a movimentação de mais de R$ 250 milhões ao longo dos últimos 10 anos, além da sonegação de R$ 60 milhões em impostos, era complexo. Conforme a investigação iniciada há nove meses, foi observado que o crime era comandado por dois mentores e envolvia um frigorífico legalizado, duas ou três empresas de fachada e outros tantos "laranjas".

A quadrilha aproveitava o fato de o recolhimento de ICMS no setor de carnes ser feito no regime de substituição tributária — ou seja, o imposto é todo pago pela indústria, e não em diferentes etapas.

— Essa gangue criou uma indústria que recebia carne de outros Estados mas não a vendia, a repassava a outra empresa. Como, em tese, o imposto já estava pago pela indústria, que é a responsável, a carne ia para o varejo e os consumidores finais sem pagamento — afirma Paulo Amando Cestari, chefe da Divisão de Fiscalização e Cobrança da Receita Estadual.




Cestari detalha como foi arquitetada a fraude:

1. A carne vinha de outros Estados para um frigorífico do Rio Grande do Sul, que teria de pagar o ICMS ao vender o produto, mas não pagava, pois o imposto é cobrado na hora de comercializar a carne.

2. Em vez de a carne ser vendida, ela era repassada ao atacadista (uma empresa de fachada), sem o registro da transação.

3. O atacadista vendia ao varejista (supermercados e açougues, por exemplo) sem pagar o ICMS, já que isso deveria ter sido feito pelo frigorífico.

4. O fato de o frigorifico comprar um produto altamente perecível e não o vender começou a gerar desconfiança. Por outro lado, havia atacadistas fazendo as vendas sem terem realizado as compras.

5. Durante a investigação, também foi descoberto que a emissão de notas do frigorífico e de atacadistas eram feitas com o mesmo IP (número que identifica um ponto de acesso único na internet).

Para acabar com esse esquema, foram cumpridos 55 mandados de busca e apreensão em casas e empresas e 15 mandados de prisão temporária — 13 pessoas foram detidas e duas não haviam sido encontradas até o início da tarde. A Justiça deferiu pedidos da Polícia Civil como quebra de sigilo fiscal dos investigados e bloqueio de bens.

— Os crimes são formação de organização criminosa, falsificação de documentos, falsidade ideológica, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro — diz o delegado Joerberth Nunes, titular da Delegacia Fazendária, vinculada ao Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).

O lucro obtido com o esquema era usado para adquirir bens, como as dezenas de veículos apreendidos — vários com valores superiores a R$ 100 mil.

— Futuramente, a ideia é que sejam usados para ressarcir os cofres públicos, conforme a nova lei de lavagem de dinheiro e do crime organizado — complementa o delegado Daniel Mendelski.

Receita desconfiou de tentativa de quitar impostos com cheques furtados

A apuração dos fatos teve início quando a Receita Estadual constatou que empresas tentavam pagar impostos utilizando cheques furtados. Para que o pagamento fosse aceito pelo banco, os criminosos adulteravam as guias de arrecadação, colocando o nome do titular do cheque. Alguns varejistas também se beneficiavam do esquema. Além do prejuízo financeiro, grande parte da carne era imprópria para o consumo, por ser transportada e armazenada de forma precária.

A Operação Dariba, que significa "imposto" em árabe, contou com a participação de mais de 400 servidores estaduais — entre delegados, agentes e auditores fiscais — e apoio da Polícia Federal. Um mandado de prisão foi cumprido em Belém do Pará e os demais em 16 cidades gaúchas, incluindo Porto Alegre. Os nomes dos investigados não foram divulgados, e o prazo para que o inquérito policial seja remetido à Justiça é 30 dias.

*Zero Hora

terça-feira, 7 de abril de 2015

FRAUDE NA LAVOURA



ZERO HORA 07 de abril de 2015 | N° 18125


HUMBERTO TREZZI

Golpe com recursos do Pronaf terá pelo menos 10 indiciados


POLÍCIA FEDERAL CONCLUIU que dinheiro de empréstimos realizados por agricultores era desviado por associação de produtores. Estimativas apontam que movimentações chegam a R$ 79 milhões

O inquérito criminal que investiga fraudes em financiamentos do Programa Nacional de Desenvolvimento da Agricultura Familiar (Pronaf) no Estado, centradas no Vale do Rio Pardo, deve ter pelo menos 10 indiciados. A Polícia Federal concluiu que recursos desses empréstimos eram desviados por lideranças de uma associação de produtores rurais e teriam inclusive abastecido campanhas eleitorais.

Estimativas apontam que as movimentações irregulares chegaram a R$ 79 milhões e teriam atingido cerca de 6,3 mil agricultores. A checagem já localizou centenas de pessoas que podem ter sido vitimadas. A investigação, que começou em 2012, deve concluir os trabalhos este mês e apontará como envolvidos no golpe dirigentes da Associação Santa-cruzense de Pequenos Agricultores Camponeses (Aspac) e também funcionários graduados das agências do Banco do Brasil (BB) na região.

O inquérito é conduzido pelo delegado Luciano Flores de Lima, que evita comentar o caso. A amigos, ele tem dito que falta apenas um laudo pericial para concluir a investigação. É uma análise contábil requisitada ao BB, com movimentações nas contas dos suspeitos e das vítimas.

Dirigentes também cobravam taxas

Pelo menos três integrantes da Aspac, entidade ligada ao Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), devem ser responsabilizados por terem colocado nas contas da entidade recursos oriundos de financiamentos que foram contratados em nomes de agricultores filiados à associação. Dirigentes da Aspac também serão responsabilizados por cobrarem taxas dos agricultores em cima de cada financiamento intermediado junto ao BB. Alguns desses colonos, plantadores de fumo e milho, dizem que só descobriram os empréstimos feitos em seu nome anos depois de os contratos serem assinados.

Muitas vezes, o dinheiro do empréstimo era devolvido pela Aspac, quando o agricultor reclamava. Em vários casos havia demora. Os policiais vão mencionar no inquérito que algumas pessoas, desesperadas, teriam cometido suicídio quando descobriram débitos que juravam não ter contraído.

segunda-feira, 23 de março de 2015

O SONHO CORROMPIDO

ZERO HORA 23 de março de 2015 | N° 18110


EDITORIAL


 

Por sua condição de maior programa habitacional brasileiro nos últimos anos e responsável por cerca de um terço do total de construções de moradias no país em 2013, era previsível que o programa Minha Casa Minha Vida acabasse se prestando para todo tipo de distorção. O que surpreende, como demonstrou reportagem publicada ontem por este jornal, é a extensão das deformações que vão desde comércio irregular de unidades e má qualidade do material utilizado nas construções até influência de políticos e do tráfico de drogas na definição dos contemplados. São questões que precisam ser enfrentadas de imediato e com rigor para evitar um desgaste irreparável nesse programa social tão relevante. O sonho da casa própria não pode se transformar num pesadelo para quem já assegurou um teto ou aguarda por ele, nem pode ser boicotado pela negligência de quem tem o dever de zelar pelo uso responsável de verbas públicas.

Um aspecto particularmente preocupante é que, nas estatísticas oficiais, os problemas registrados significam um percentual mínimo. Mesmo em número reduzido, porém, o fato é que as distorções se acumulam. Começam nas crescentes interferências na definição dos contemplados, o que tende a frustrar quem aguarda a oportunidade de garantir um teto de forma impessoal, e se estendem aos problemas estruturais enfrentados por alguns novos proprietários, incluindo vazamentos e infiltrações. Não faltam, também, casos de burla à ética e à legislação, com potencial para causar danos que podem se tornar irreversíveis, prejudicando a todos.

O país, hoje diante de um caso emblemático de corrupção na maior de suas empresas públicas, não pode consentir que também programas sociais tão importantes sejam deturpados. A questão é que, onde há dinheiro público envolvido e faltam controles, surge sempre margem para desvios. É o que ocorre com frequência com as verbas de Previdência Social, com as destinadas à merenda escolar e ao Bolsa Família, entre muitas outras, o que não pode ser admitido.

O poder público não pode tolerar que programas relevantes como o Minha Casa Minha Vida, bancados por todos os brasileiros, sejam desvirtuados nos seus propósitos. Os organismos de fiscalização precisam mostrar que estão mais vigilantes.

domingo, 22 de março de 2015

UMA INVESTIGAÇÃO DE DUAS REDAÇÕES



ZERO HORA 22 de março de 2015 | N° 18109


CARTA DA EDITORA | Marta Gleich



Por trás da reportagem especial deste domingo, Minha Casa Minha Fraude, há bastidores que gostaria de compartilhar com nossos leitores.


Desde 2012, criamos em Zero Hora um Grupo de Investigação. Formado por repórteres e editores que se dedicam de forma especial a ser, como os americanos denominam, “watchdogs”, ou cães de guarda da sociedade, esse time pensa pautas, planeja a longo prazo e vai a campo investigar, em reportagens que algumas vezes significam investimentos de apuração e edição de até um ano.

Formado hoje pelos jornalistas Adriana Irion, Carlos Rollsing, Eduardo Torres (Diário Gaúcho), Humberto Trezzi, José Luis Costa, Maurício Tonetto e Rodrigo Lopes, o grupo de repórteres decidiu que o principal programa habitacional do governo federal, o Minha Casa Minha Vida, merecia uma investigação especial. O projeto tem muitos méritos, entre eles o de concretizar o sonho da casa própria a quem nunca teve a chance de dispor de um teto. Em 2013, foi responsável por um terço (32,1%) do total das construções de moradias do Brasil. O problema é que o programa governamental tem sido alvo de fraudes variadas, vendas irregulares e construções de má qualidade. Mais: em algumas cidades, o tráfico de drogas acossa a comunidade, alvo frequente de operações policiais.

A diferença nesta investigação é que ela foi produzida por repórteres investigativos de dois jornais do Grupo RBS: Humberto Trezzi e o fotógrafo Fernando Gomes, de ZH, e Ânderson Silva e a fotógrafa Betina Humeres, do Diário Catarinense – já que as fraudes não se restringem ao Rio Grande do Sul. Durante 40 dias, os jornalistas se debruçaram sobre documentos oficiais e bateram de porta em porta de condomínios construídos para o Minha Casa Minha Vida. Depararam com mau acabamento das construções (infiltrações, inundações, rachaduras) em prédios de Canoas, Porto Alegre, Sapucaia do Sul, Cachoeirinha, Novo Hamburgo e São Leopoldo. Constataram que em pelo menos oito cidades gaúchas de porte médio proliferam denúncias de comércio ou aluguel irregular de imóveis do programa governamental. Em Santa Catarina, aos problemas de infraestrutura e invasão, somam-se tráfico de drogas, prostituição e ameaça de morte em Blumenau e Palhoça. Cada um dos jornais publica neste domingo o mesmo tema, mas cada um com o enfoque adequado a seu público e sua zona geográfica. Essa soma de esforços traz ao leitor um conteúdo mais completo e mais aprofundado.

sábado, 21 de março de 2015

PROGRAMA SOCIAL TEM COMÉRCIO E ALUGUEL IRREGULARES

ZERO HORA 21/03/2015 | 08h07

31% dos imóveis do Minha Casa Minha Vida estão irregulares em cidade do noroeste gaúcho. Reportagem constatou diversos problemas com o programa durante 40 dias de investigações

por Ânderson Silva e Humberto Trezzi



Secretária Municipal de Habitação de Cruz Alta, Elisabeth Linck, tenta retomar as habitações ocupadas por pessoas não autorizadas Foto: Fernando Gomes / Agencia RBS

Está equivocado quem pensa que irregularidades no programa Minha Casa Minha Vida só ocorrem nas grandes cidades.

A reportagem constatou que em pelo menos oito cidades gaúchas de porte médio proliferam denúncias de comércio ou aluguel irregular de imóveis do programa governamental.

O pior caso encontrado acontece em Cruz Alta, no noroeste gaúcho. De 265 residências do programa construídas no loteamento Vida Nova II, pelo menos 82 não estão mais com os mutuários originais – foram repassadas para outras pessoas, sem autorização. Ou seja, um em cada três imóveis está em situação irregular. Com relação a 52 moradias, já foi formalizada denúncia para investigação por parte do Ministério Público Federal (MPF) e pela Caixa Econômica Federal. A prefeitura tem um dossiê a respeito das outras 30 casas. As denúncias foram feitas em junho de 2013 e maio de 2014.

– Chegamos a receber de 20 a 30 pessoas com reclamações na secretaria. Residências acabaram invadidas, inclusive servindo como abrigo de criminosos – afirma a secretária municipal de Habitação e Interesse Social de Cruz Alta, Elisabeth Linke.

Elizabeth diz que a Caixa ainda não se manifestou sobre o assunto. Ela aguarda avaliação do banco, uma reintegração de posse que viabilize repasse de imóveis invadidos a outras famílias.

– Temos muito interesse que o assunto seja resolvido, já que o município foi o doador da área onde se encontra o loteamento – explica.

Em fevereiro, ZH esteve em Cruz Alta e comprovou a facilidade com que casas são vendidas, alugadas e invadidas. Sem se identificar, os repórteres passearam pela Rua Maria de Lourdes Rousselet, uma das principais do loteamento Vida Nova II, verificando ofertas de residências para comprar. Na casa de número 93 daquela via, o carpinteiro Antônio Carneiro dos Santos admite que vende o imóvel por R$ 2 mil. Questionado por que o preço está baixo e se existem papéis legalizando o negócio, Carneiro é sincero.

– Olha, se tivesse papel eu cobrava R$ 15 mil. Na realidade, a casa não é minha, estou ocupando ela. O antigo morador era um mendigo, que vivia na rua. Entrei aqui com a família e vou ficando. Quero me mudar, em busca de emprego, e por isso vendo tudo por R$ 2 mil, incluindo móveis. Financiamento não tenho – admite.

A prefeitura de Cruz Alta informa que tramita contra Carneiro uma ação judicial de despejo, porque ele invadiu a casa de um mutuário, Jorge da Rosa Santos.

Duas ruas lomba acima, na Rua Victório Della Mea, dona de um pequeno armazém, Jaque admite que o marido, conhecido como Nico, medeia venda de casas no loteamento. Nico é o apelido de Osmar Simões Pires.

– Quando sabe de alguém interessado, ele ajuda a vender. Tem casa por R$ 3 mil, R$ 4 mil, R$ 5 mil. Aí tu faz um contrato de gaveta e fica pagando a prestação, que é baixa, em torno de R$ 40 mensais. Aquela casa ali em frente foi o Nico que vendeu – aponta.


Na mesma rua, em outra parte do loteamento, a reportagem encontra a moradora Dejanira Fátima da Cunha Ferreira entrando na casa 51, que parece abandonada. Ela admite que não é a dona e que ocupou a residência quando a mutuária original se mudou para Vacaria. O imóvel está depredado, repleto de detritos e sem parte do forro, mas Dejanira diz que arruma o local para colocar uma irmã ali.

– Tentei me legalizar na Caixa Federal, mas ninguém me ajudou. Aí vou ficando. Melhor que deixar drogados ocuparem a casa – justifica ela.

A prefeitura informa que Dejanira foi denunciada à Caixa em 2013 por invasão de três residências do Minha Casa Minha Vida, nas quais colocou familiares.

O MPF abriu inquérito para apurar as invasões, aluguéis e vendas em Cruz Alta.

CONTRAPONTOS

O que diz Antônio Carneiro dos Santos:
Não tenho documento do imóvel, entrei aqui porque o antigo morador saiu. Até por isso, cobro apenas R$ 2 mil e quem comprar leva meus móveis também.

O que diz Dejanira Fátima da Cunha Ferreira:
A casa vivia ocupada por drogados. Aí, na saída deles, botei minha irmã para morar e tô consertando. Tentei regularizar a situação na Secretaria de Habitação e na Caixa, mas não consegui.

O que diz Osmar Simões Pires, o Nico:
Não vendo casas, não sei do que tu tá falando. Eu lido com carreira, corrida de cavalo.